Jesus estava orando em certo lugar e, quando terminou, um dos seus discípulos lhe pediu: — Senhor, ensine-nos a orar como também João ensinou os discípulos dele. Lucas 11:1
Existe uma grande diferença entre a vida que levamos hoje e a vida dos judeus no tempo de Jesus. Atualmente, muitos cristãos podem conceber a ideia de que orar faz parte da vida religiosa, enquanto a oração pode ser dispensada no restante do tempo. Entretanto, como povo educado na lei mosaica, mesmo sendo vassalo do império romano, a oração era parte da vida diária e uma exigência legal.
Segundo Henri Daniel-Rops, a passagem de Deuteronômio 6.4-9, o Shema, e duas frases acrescentadas a esse texto bíblico, eram o legado maior das orações do Antigo Testamento, recitado obrigatoriamente de manhã e à noite: “— Ouve, Israel, o Senhor, nosso Deus, é o único Senhor.” Em seguida havia a oração mais longa, Shemoneh Esreh, ou as Dezoito Bênçãos, que devia ser recitada três vezes por dia. Sobre ela, Daniel-Rops comenta: A Shemoneh Esreh faz constantes e insistentes repetições; ela se desenvolve num crescendo lento mas seguro, levando a alma a glorificar o Todo poderoso, o Deus de Abraão, Isaque e Jacó, o grande, forte e terrível Senhor que é também o doador de todas as coisas boas. Foi Ele que soprou vida em todos os seres viventes da terra, o Ser de quem procede toda a sabedoria e santidade.(*) Mas nem todos eram sinceros nessas orações (Is 29.13; Mt 15.8,9). Nem todos procuravam o Senhor para serem perdoados (Is 1.15), mas por interesse quando as situações se tornavam críticas e adversas.
O texto de hoje nos diz que João, o Batista, como último profeta da antiga aliança, ensinou seus discípulos a orar. O que teria ensinado, senão aquilo que aprendera do Antigo Testamento sobre o Senhor, o arrependimento das obras mortas e o cultivo da esperança messiânica como lhe fora revelada, enfim, os assuntos de sua pregação?
Os discípulos de Jesus também queriam aprender a orar e pediram ao Senhor para ensiná-los. Certamente tinham visto Jesus se dedicando à oração e percebiam que Ele utilizava a linguagem das Escrituras, mas orava em lugares ermos ou em recintos fechados, não buscando ostentar espiritualidade diante de ninguém, nem utilizava vãs repetições como as orações da tradição rabínica judaica (veja Mateus 6.5-8). Além disso, a oração de Cristo é a oração da nova aliança.
Daí nasceu a oração que conhecemos como “a oração do Senhor” ou “o Pai Nosso”. É uma oração relativamente pequena e simples. Exalta a Deus como Pai; santifica Seu Nome; aspira Seu reinado sobre tudo; pede o pão diário e o perdão dos pecados da mesma forma que nós perdoamos aos que nos ofendem. (Veja Mateus 6.9-13 e Lucas 11.1-4). Mas tem tudo o que precisamos para orar!
Em outro momento, Jesus também ensinou que quando seus discípulos orassem a Deus, o fizessem em nome dele (Jo 15.16). Assim, a oração a ser aprendida tem a ver com a experiência cristã da paternidade de Deus; de humilhação diante de Seu santo Nome; do desejo ardente de que a história dos homens e da criação estejam sujeitas ao Seu reinado; que Ele supra diariamente as nossas necessidades físicas; que sejamos perdoados por Ele, tanto quanto estamos dispostos a perdoar os que nos ferem.
Naturalmente, a oração do Pai Nosso pode ser recitada quantas vezes quisermos, mas ela não pode se transformar em uma repetição desconexa do significado de seu conteúdo, nem ser recitada de forma negligente. Ela também serve de base para todas as nossas orações, enquanto atentamos para a forma como Jesus ordenou as petições desta oração: primeiro a glória de Deus, depois as nossas necessidades e deveres.
(*) Daniel-Rops, H. A vida diária nos tempos de Jesus. Trad. Neyd Siqueira. São Paulo: Ed. Vida Nova, 1961, p. 222-223.
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Por: Rev. Wilson do Amaral Filho